quinta-feira, 31 de março de 2011

vinte quatro horas

Correr, correr...
Me entupir de coisas pra fazer, de problemas mundanos pra resolver, de contas pra pagar. correr, correr...
anotar tudo que tem que ser feito em um caderninho, porque a cabeça já não dá conta de lembrar de tudo que precisa ser feito, hoje, ontem, amanhã... correr, correr...
Sair de casa bem cedo, voltar bem tarde, fazer de noite o almoço de amanhã, comer correndo e tentar dormir, nas poucas horas que me restam, antes de levantar e correr pra começar tudo de novo. correr, correr...
E viver esquecendo tudo. tantar lembrar mas não conseguir. a dieta diária de esquecer alguma coisa. exceto uma. mesmo esquecendo do almoço, ou do jantar, do lanche, do guarda-chuva, do sapato, do livro ou mesmo da aula que deveria ter sido dada, tem sempre uma coisa que eu não olvido. É sempre uma coisa a me martelar a cabeça.

Nessas horas eu te odeio. e como te odeio. porque não esqueço de te amar.

quinta-feira, 24 de março de 2011

melancolia e saudade

O "sentimento" da melancolia parece inscrever-se numa constelação de afecções da alma que vão da tristeza à angústia, sem esquecer o tédio. Na medida em que pertence à esfera do "psicológico", há interferências entre esses três "estados da alma", em especial entre a tristeza e o tédio. A angústia, essa, é mais nítida. Menos indistinta, leva o ser à beira da própria negação. Mais não é, aliás, que a vida subtraída ao futuro, asfixiada por um presente sem dimensões. [...] De certa maneira, o anustiado tem excesso de vida e de impaciência; não compactua com o futuro nem projeta nele as cores da sua angústia. Ao contrário da melancolia, a angústia não comporta o "jogo" com o tempo - tudo é urgência, a própria memória fica como que em suspenso. O campo próprio da angústia é o da imaginação, imaginação do pior, em que o real fica de fora. O tédio, pelo contrário, remete-nos para o real, para o tempo, mas não para o jogo do tempo[...]. A realidade está a mais, e nós também. nâo precisamos pedir ao Tempo que suspenda seu vôo, como no poema em que a Melancolia romântica se encenou. Está já suspenso, ou melhor, roda invariavelmente em torno de si mesmo...

[Eduardo Lourenço - Mitologia da Saudade]

sábado, 19 de março de 2011

Sem Fantasia

Vem, meu menino vadio
Vem, sem mentir pra você
Vem, mas vem sem fantasia
Que da noite pro dia
Você não vai crescer
Vem, por favor não evites
Meu amor, meus convites
Minha dor, meus apelos
Vou te envolver nos cabelos
Vem perde-te em meus braços
Pelo amor de Deus
Vem que eu te quero fraco
Vem que eu te quero tolo
Vem que eu te quero todo meu
(...)



chico buarque

quarta-feira, 16 de março de 2011

Let's do it

eu sei lá
Vai saber
A gente faz o que dá pra fazer
Deixa estar
Manda ver
Que a vida faz da gente o que quer
Faz chorar
Dá prazer
E é um tudo um jazz
E tanto faz
Eu quero mais é ser feliz
Sem quás, quás, quás
Nem ti, ti, tis
No more to "bes" or not to "bes"


(Léa Freire/ Jean Garfunkel)

ouça aqui

domingo, 13 de março de 2011

Carta aberta ao melhor espetáculo da terra.

Para todos os amigos do Rio. Em especial, para Anita e Artur.


Qual o saldo de dez dias de carnaval?

O que será que me dá,
Que me bole por dentro, será que me dá,
Que brota à flor da pele, será que me dá,

Bem, além de uma gripe horrorosa - mais parecendo tuberculepra cancerosa (como diria mamãe) - além de uma unha quebrada no sabugo, além de alguns colares, além de leque de penas,  bonecas de barro, flor de cabelo e uma camiseta hand made que gerou comentários, além de milhares de fotografias, além de vídeos, além de tudo isso, ficou uma marca permanente.

E que me sobe às faces e me faz chorar,
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
E que não tem mais jeito de dissimular
E que não é direito ninguém recusar

Eu não acreditava em amor à primeira vista; não sei ainda se acredito; mas o fato é que algo aconteceu nesses dez dias, algo mudou pra sempre dentro de mim, e me fez uma pessoa mais feliz. Sabe quando algo bate dentro da gente, vira de lado, nos dá chutes na barriga?

E que me faz mendigo e me faz implorar
O que não tem medida nem nunca terá
O que não tem remédio nem nunca terá
O que não tem receita.

Esse amor, essa coisa que eu senti, sinto, sentirei, é assim, sem mais nem menos, que dá e passa, e volta e fica, e come bolo, e bebe cervejas e depois toma vinho e dá risada e se emociona nas pequenas coisas. Arrepia e faz arrepiar. Não sente culpa e não faz culpar. Isso que Anita e Artur me fizeram viver; amor de amigo, instantâneo.

O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia

Algumas coisas talvez sejam grandemente pequenas demais pra escrever aqui, outras, pequenamente grandes para serem compartilhadas nessas páginas imorais, para serem maculadas em sua pureza, com descrições cansativas e insuficientes.

Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os ungüentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será

Não tem receita mesmo. Como poderíamos prever, Anita, Artur, que esses dez dias seriam tão incríveis? Como poderíamos prever que eu jamais me sentiria a terceira roda da moto, como poderíamos adivinhar que, tendo o Artur partido antes (para breve retorno), sentiríamos, eu e Anita, um vazio permanente, ainda que estivéssemos perfeitamente bem na companhia uma da outra?

O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite

Como explicar pra todo mundo que passar a segunda feira do carnaval à luz de velas lendo poesia foi melhor do que pular loucamente no sargento pimenta? Coisa de maluco, mesmo. Coisa maravilhosamente louca.

(pausa:

Ai  que vida boa olerê, 
Ai que vida boa olara,
O estandarte do sanatório geral
Vai passar!)

E foram blocos, passeios, um cristo que teimava em não aparecer, para enfim me maravilhar na penúltima noite, e Paquetá e Parque Lage e Forte e Colombo e Saara e Dona Ivone e arcos da lapa e tour pelo centro e museu de belas artes e teatro rival e ancine e catedral-bordel e lomografia e fotografia e... e... e...

O que será que me dá
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os tremores me vêm agitar

E gentes, muitas delas. Flávia, Ronaldo, Fatih, Ruken, Alessandra, Akio, Leo, Rodrigo, Andressa... ah, eram muitos desculpem se não cito todos, mas saibam: estão todos aqui, comigo... mas, claro, não devo esquecer das queridas Cecília e Catarina, nem dos gatões Otto e Zico.

E todos os suores me vêm encharcar
E todos os meus nervos estão a rogar
E todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz suplicar

Ficam tantas coisas por comentar... tantas ainda por sentir... tantas já sentidas... confusas, mas deliciosamente insistentes. Sonhei que estava no Rio, e, de repente, era verdade. E era ainda melhor do que eu havia sonhado.

O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo

Pouco resta a dizer, ainda que haja muito a falar; restam-me as fotos e o amor que ficou, e, a vocês, o meu obrigada, amigos, por terem tornado esses diazinhos alguns dos mais especiais da minha vida.

quinta-feira, 10 de março de 2011

o guardador de rebanhos

Em homenagem à noite mais memorável do carnaval 2011. Para Anita e Artur. Depois virá um com palavras minhas.


VIII
Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas…
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou —
«Se é que ele as criou, do que duvido» —
«Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres.»
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

quinta-feira, 3 de março de 2011

problema de mulherzinha

tem horas que eu queria ser macho,
mas tão macho,
que era pra poder te dar umas porradas,
mandar parar de besteira
e vir aqui cuidar de mim,
que eu to com fome e tá na hora do jantar.