quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Como se fosse a primavera



De que calada maneira
Você chega assim sorrindo
Como se fosse a primavera
Eu morrendo
E de que modo sutil
Me derramou na camisa
Todas as flores de abril
(chico buarque e pablo milanés)


Depois escrevo algo decente, hoje tenho sono e essa canção me ecoa há horas na cabeça. Vai ver é porque é do Chico. Meu caso de amor com as músicas do Chico é algo espiritual, mas outra hora explico. 2009 ainda vai ganhar um último post, acho. Caso não, um boa passagem, nos vemos ano que vem.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

São tantas as emoções...



que me afetam nesse instante mal consigo escrever. A maior delas, aquela que me domina, pra variar, é a ansiedade. Por favor, ano novo, traga de volta um pouco de calma à minha vida...


Enquanto isso, explico minha teoria acerca do amor e o egoísmo. Muitos hão de discordar. Mas, pra mim, faz todo o sentido.


E o princípio da minha tese é: o amor é o sentimento mais egoísta que existe e por isso apodera-se das pessoas mais generosas. 


Vamos às bases disso: 




  • A)   Disse Jesus Cristo (é, aquele cabeludo de olhos azuis, um verdadeiro milagre divino, isso ter nascido na palestina com cara de príncipe encantado) em Mateus 22: 37-39: 




“Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo"


 Certo, não sou católica, nem cristã, não fui sequer batizada, mas a verdade é que isso não importa agora. Os dez mandamentos são, antes de mais nada, um código de conduta, uma espécie de constituição ou código civil da época. Buscavam, primeiramente, pautar o comportamento humano e permitir a existência de convívio social. Mas o que realmente interessa desse excerto é a última frase: Amarás o próximo como a ti mesmo.


Desde sempre ouço essa frase ser usada no intuito de convencer os homens (e mulheres) a ter respeito aos outros seres (humanos ou não, acreditem, já a vi ser usada até para justificar a vida de galinhas), pois todos merecem respeito. Minha mãe, entretanto, um dia me mostrou que a passagem esconde algo a mais: Ama ao próximo como amas a ti mesmo, ou seja, antes de amar ao próximo, é preciso amar a si mesmo.




O que isso prova? Por enquanto, nada. Apenas colocou mais lenha na minha fogueira. Sigamos, pois.




  • B)   Pergunte a qualquer pessoa, mas qualquer uma mesmo, pergunte ao sorveteiro que vai passando ali na rua, à caixa do supermercado, ao psicólogo ou ao padre: Quando você ama alguém (qualquer tipo de amor, de mãe, irmão, amante...) o que é que mais deseja para aquela pessoa? A resposta, noventa e nove por cento das vezes, há de ser: "desejo que ela seja feliz", ou "desejo fazê-la feliz".


Certo, agora reflita comigo, A+B = C. Se,
A) nosso primeiro amor, antes de amar ao próximo, é o amor que temos por nós mesmos;
B) quando amamos alguém, queremos que ele seja feliz; Então isso dá:
C) o que mais queremos para nós mesmos, é nos fazer felizes. 


Ta-dah!


Certo, você vai dizer, até aí nada de novo. Não era necessário todo esse caminho pra perceber isso. De fato, não era. Mas é agora que vem o pulo do gato. Prometo que vale a pena, continue lendo.


Daí que o fulaninho se apaixonou pela mocinha do cinema. Ela também se apaixonou por ele, e os dois começaram a namorar. Tudo muito lindo, e a paixão do fulaninho se transformou em amor. E então fulaninho tinha dois amores em sua vida: o amor pela mocinha e o amor por ele mesmo. O que ele mais deseja para a mocinha? fazê-la feliz, não é? Ótimo, agora alguém percebe o porquê de ele querer fazer a outra pessoa feliz? Simples, meus caros, porque essa é a única maneira dele, pessoa apaixonada, ser feliz! Ele sofre de um conflito de interesses (e por esse motivo o amor deveria ser impedido de advogar nos tribunais da vida) uma vez que a sua felicidade depende da felicidade da mocinha. 


(Um aparte: Entenda, leitor, que jamais disse que a felicidade depende de se ter outra pessoa: quando alguém está bem só, está amando à pessoa fundamental: ele mesmo).


Amar é, em minha opinião, co-sentir o que o ser amado sente: a tristeza do outro é também a sua, da mesma forma que a felicidade. Quando não se ama alguém, você pode sentir pena ou compaixão pela tristeza alheia, mas dificilmente sofrerás por isso. É como quando morre o cachorro do vizinho: você acha chato, manda um "sinto muito", e continua os afazeres do dia. Agora, amar, não. Se escurece na vida da pessoa amada, o sol vai embora da sua vida também. Se a felicidade volta, você também volta a sorrir. Isso pelo simples motivo de que vocês compartilham os sentimentos e você ama aquela pessoa da mesma forma que você ama a si mesmo.


Então, desta forma, você não quer a tristeza do outro, porque isso causa a sua tristeza! Quer sentimento mais egoísta que esse? Daí que, em nome do "amor", as pessoas fazem de tudo pela pessoa amada: abrem mão de quase tudo, se necessário for. Tornam-se generosas.


Balela!


Tudo que as pessoas fazem pra deixar o outro feliz tem o único propósito de fazer elas mesmas felizes. O único problema: elas não precebem isso, e não fazem por mal. Diria, até, que fazem com a mais bonita das intenções. Fomos ensinados que amar é ceder, ser generoso, é se doar a pessoa amada.


Não, meu caro leitor, o amor é traiçoeiro; de uma estranha forma, amar é a arte de ser altruísta porque se está dominado aquele que é, de todos os sentimentos, o mais egoísta.








Nota, apenas para refletir: também nos ensinaram que deus nos ama, a cada um de nós, e que seu amor é infinito. Pois bem, releia a primeira parte do mandamento da bíblia, logo acima daquela comentada no texto. É que ela diz: ame ao teu deus, o senhor, acima de todas as coisas...










terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Felicidades II

Recebi, de meu amigo Jonas Tenfen, o seguinte comentário acerca do meu blog: "Credo, que deprimente!"
Descontada a sutileza que lhe é peculiar, o Jonas é um amigo muito querido, inteligente e pelo qual tenho muito respeito. Até porque, existe, em mim, a certeza de que seu comentário é honesto, apesar da aparente falta de tato com que foi feito.
Entendo-o, na verdade, e explico-me aqui; Jonas, meu blog é deprimente porque na maior parte das vezes escrevo quando estou deprimida, triste, agoniada... e é isso que transparece nos textos. Prometi-lhe, entretanto, que escreveria algo feliz. Promessa feita, promessa devida. Vejamos se consigo cumpri-la.
Ah, se não for dessa vez, Jonas, tenha a certeza de que continuarei tentando: Devo, não nego, pago quando puder.

Felicidades

Encontrei, ontem, um pedacinho de papel amarrotado na calçada. Não era diferente dos demais, que encontramos diariamente, em todas as calçadas de todas as cidades. Não seria o primeiro, tampouco o último, mas por uma razão, aquela bolinha amarrotada, mal-feita até, chamara minha atenção enquanto caminhava pela rua, cabisbaixa e encolhida pelo vento frio que soprava.

Não ia pela rua por nenhum motivo especial; em verdade, passava por ali todos os dias, ou quase, a caminho de casa. Nenhum sentimento me dominava, o vento soprava gelado demais para isso. Tinha um pouco de pressa em fugir do frio, mas não tanta que não pudesse prestar atenção nas coisas que se passavam à minha volta.

Quando me deparei com a bolinha, feita de um papel amarelo, o que me atraiu foi o fato de que, apesar do vento que soprava, provocando nas folhas caídas uma espécie de balé moderno, o pequeno amontoado de celulose apenas tremia no chão, como se atraída à terra por um elástico ou ímã. Ao pensar nisso, ri-me, lembrando que fora assim que meu pai me explicara a ação da gravidade e, sem que me desse conta murmurei rindo, ah, mas essa gravidade está mais poderosa do que eu supunha! Em seguida, abaixei-me para apanhar a pequena massa amarela, olhando à minha volta à procura de uma lata de lixo. Enquanto caminhava em direção ao lixeiro abri aquele papel. Era o fim de um bilhete, como faziam supor as bordas superior e esquerda rasgadas, mas trazia apenas uma palavra legível, grafada em caneta azul, com letras bonitas, diria até que femininas: "Felicidade". Notava-se também que havia um S ao final da palavra, mas uma mancha qualquer o havia coberto.

Foi impossível não me perguntar por que motivo alguém rasgaria um bilhete de felicitações. Um amante magoado, talvez, irritado com a ironia da autora - já assumia que a pessoa que escrevera aquela palavra era uma mulher - da pergunta, ou talvez encontrava-se com raiva, por ter sido abandonado tempos depois de ter recebido aquele bilhete. Ao mesmo tempo, seguia eu pensando, não faz nenhum sentido uma mulher desejar felicidades a seu namorado; então talvez fosse um cartão de aniversário. A folha comum, fina, em que tinha sido escrito o bilhete dizia que não. Ninguém escreve "bilhetes" de aniversário, muito menos em folha sulfite.

O "mistério" que se havia instaurado, a partir daquele tolo pedaço de papel fez-me esquecer da lata de lixo, que buscava para jogar a pequena bola amarrotada. De fato, esquecera-me do frio, do vento e suas folhas dançantes. Andava, agora, vagarosamente, pensativa, alegre até. Aquele pedacinho de bilhete havia aberto em mim um novo universo. Tinha consciência da bobagem disto tudo, mas de alguma forma, me parecia triste demais a idéia de encontrar a Felicidade ali, amarrotada e jogada numa calçada qualquer e, tendo outras possibilidades, jogá-la fora, no lixeiro mais próximo.

Não, pensei comigo, não farei isso. Nesse dia, pela primeira vez na vida, levei, de fato, a Felicidade pra casa. Algumas pessoas guardam uma folha de louro na carteira, outras levam uma cruz pendurada no pescoço, outras, ainda, tem uma figa pendurada retrovisor do carro. Entre todas essas pessoas, eu duvido muito que algum dia a felicidade tenha se parado em frente, toda amarrotada, suja e abandonada. E, se ela o fez, duvido ainda mais que essas mesmas pessoas lhe tenham dado o mínimo de atenção. Digo isso com tanta certeza pois, caso o tivessem feito, não necessitariam de tantos patuás: tudo o que realmente importa já estaria sempre com elas.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

E da canção fez-se o espanto: Mais vinho pra mim

(Para David e Jean)

Lembro-me da primeira vez que ouvi "Mais vinho pra mim"; era uma tarde ensolarada de abril, reuníamos nós, os amigos, em casa de Jean e Aninha, para celebrar a última reunião daquele grupo, pelo menos pelos próximos meses. Muita coisa mudou de lá pra cá.

Naquela tarde Jean apresentou-nos a canção, rindo, e dizia que ela era, de alguma forma, um discurso que eu haveria de escutar. Lembro que tive a sensação de que aquela canção era a versão masculina de "Olhos nos olhos", uma canção que procura magoar e esconder a falta que o par lhe faz. Achei a canção lindíssima, talvez uma das mais bonitas já composta pelo Jean. Uma maldade elegante. Uma mágoa dolorida, pungente. Pensei comigo que não desejava nunca que a previsão zombeteira do Jean se tornasse realidade.

Passaram-se os meses. Muitos deles. Os jantares daquele grupo não mais aconteceram, e eu ouvi, dito de outra forma, aquilo que a canção dizia. Merecidamente, convém dizer. Mas isso não vem ao caso, não agora.
David estava lá, naquele dia, mas não tenho certeza de que a canção também era nova para ele. O que posso dizer, com segurança, é que a canção o tocou profundamente.

David, vale lembrar, é uma figura encantadora. De uma coragem surpreendente, isso logo se nota, e depois se comprova. Mal conheceu Isaac Varzim (aquele, do Superpose) e passou a noite inteira tirando sarro dele, simplesmente porque o cara é gaúcho (arrisco dizer que é pelotense, se bem me lembro das piadas feitas por Don Mattos).

Mas enfim, dizia eu que a canção tocou o David. Tocou tanto que ela cresceu, cresceu e virou romance. Obra inédita, que acabo de terminar de ler. Acabo, agorinha mesmo, de ler as últimas linhas, iniciadas seis horas atrás. O texto não é longo (86 páginas) mas confesso que levei mais tempo por conta da leitura ter sido realizada no computador, o que me obrigou a várias pausas para descansar a vista. Teria levado menos tempo, a julgar minha empolgação.

David narra uma linda história de amor. E de desamor. Um amor maduro, de um homem viúvo que, aos setenta e quatro anos, redescobre a vida. O personagem principal não tem nome, ele é sempre tratado por "meu bem", "meu caro", "meu querido" por sua musa, essa sim nomeada, Ivone. A trama é envolvente, de uma delicadeza ímpar, esmiuçada com inteligência e beleza e, nesse último ponto, difere violentamente dos outros textos do David que li, tanto em seu blog quanto na antiga coluna que assinava no site Tô Puto. Os outros textos, em sua grande maioria, eram muitíssimo bem estruturados, mas versavam sobre humor, retratavam situações corriqueiras, infames, divertidamente incorretas até.

Mais vinho pra mim, não. É um texto poético, apaixonante. Tem sim seus momentos de humor - como a passagem em que o autor toma conta do texto, inconformado com o rebaixamento do seu querido Figueirense, "time mais tradicional e de maior torcida da cidade", ao mesmo tempo em que o Avaí, rival "de menor expressão, praticamente desconhecido além das fronteiras do estado" subia à elite do futebol brasileiro, e David deixa escapar um "Que merda", para logo em seguida retomar o fio da meada, quase nos fazendo crer que aquele "que merda" não era o seu desabafo de torcedor, mas a irritação do protagonista, com outra coisa qualquer.

Em outros momentos, o texto me levou às lágrimas. Sou chorona confessa, todo mundo sabe disso, mas não foram muitos os textos que conseguiram me emocionar assim. O desespero de Ivone diante da reação de surpresa de seu "querido", mostrando o quanto estavam completamente alheios às necessidades um do outro, em páginas distintas do que supunham ser a mesma história de amor (e que, a meu ver, lhes é drasticamente revelado o contrário nessa passagem) foi tão pungente que não contive o choro. E desse desespero nasceu o ressentimento, e do ressentimento fez-se a mágoa, e da mágoa fez-se o rancor (qualquer semelhança com o Soneto da separação, do Vinícius, não é mera coincidência). O mesmo velho rabugento do início do texto, lindamente transformado em um jovem apaixonado e inocente no decorrer da trama, transforma-se novamente em um homem seco, oco, ainda mais cruel do que o início poderia prever.

Em resumo, poderia ficar horas aqui falando sobre aspectos técnicos do texto, do brilhante uso do discurso direto livre, das excelentes intervenções do narrador, etc etc (afinal, a pessoa se forma em letras pra alguma coisa, não é?) mas acho que realmente não vem ao caso. O texto é bom sim, e é bom porque fala na alma da gente.

Torço para que ele consiga/decida/encontre meios para publicar o romance. O cara conseguiu me fazer ler duas páginas de uma receita de massa com camarão no meio do texto, explicada nos mínimos detalhes (pra quem não sabe, eu não engulo nada que venha do mar, por nenhum motivo outro que não seja o fato de eu detestar o cheiro, gosto, textura desses animaizinhos), com o interesse dos apaixonados. O mínimo que posso dizer depois disso, com perdão das palavras, é que ele é foda.

Parabéns Jean pela linda canção, e pela inspiração. Parabéns David, por conseguir enxergar nesses versos uma história complexa e cruel, e mais ainda por haver transformado-os num romance único, inteiro em sua existência. E obrigada pelo privilégio.

domingo, 27 de dezembro de 2009

Samba do adeus

Vai, e leve esse anel, para um novo amor.
Vai, e leve teus trapos, não volte mais.
Vai, e leve tudo que é seu, não deixe rastros.
Vai, e leve teu corpo, não deixe nem sombra.
Vai, e leve teu cheiro, que os lençóis que ficarem eu vou queimar.
Vai, e leve tua alma, mas deixe meus restos aqui.

Minhas lembranças eu vou doar,
Pois em leilão não faria vintém,
Há gente precisada, sabes bem,
Há gente buscando por um amor.

A vida que tive contigo amor
Foi ilusão, só ilusão, foi
Carta marcada, num baralho velho
Foi samba rimado por amador.

Foi bonito sim, como um versinho
De criança inocente, amor-com-dor
Foi coisa sonhada, utopia
Uma fantasia que não convenceu.

Agora vai, levante daí,
Junta tuas coisas e deixe-me só
Que eu vou guardar meu coração
Pra outro momento que rime melhor

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texto antigo, lá de 2006. achei enquanto limpava uns emails velhos do yahoo. prova de que não consigo fazer rima.

sábado, 26 de dezembro de 2009

A flor mais grande do mundo

escrito e narrado por Saramago:






ADENDO (em 27/12/2009) - Coincidências acontecem: depois de postar esse link aqui achei o mesmo vídeo no blog do querido Don (David) Mattos. É, como ele mesmo disse nos comentários aí embaixo, o primeiro post do blog dele. Sintonia Fina é outra história!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Coisas de tia velha

É simplesmente horrível quando você percebe que se transformou numa tia velha. Igualzinha àquelas que você odiava ir visitar quando era criança, e a sua mãe insistia que família é família, agora vamos que eu não tenho o dia inteiro e aproveita que eu to calma. Então você ia, à contragosto e, na melhor das hipóteses, se calhasse de estar de ótimo humor, forçava um sorriso aos cumprimentos e gracejos da tal tia, que, invariavelmente, seguiam o esquema:

A) Nossa, como você tinha crescido! B) parecia que tinha sido ontem a visita à maternidade, quando você nasceu! C) meu deus, mas já fazia tanto tempo assim? D) era todo esse tempo mesmo, porque foi antes do fulano morrer, coitado; E) a conversa descambava pro assunto de falecidos e casamentos, e você estava, enfim, dispensada da suas obrigações familiares, podendo se atracar na mesa de doces (toda tia velha que se preze tem uma mesa de doces - ou um baleiro - que toda criança precisa atacar sorrateiramente pra não ganhar uns beliscões da mãe, ou, no meu caso, um olhar terrível que dizia "pára com isso já ou sua bunda vai ficar quente antes mesmo de chegar no carro") Mas enfim, dizia eu, é horrível quando você percebe que se transformou numa tia velha. E isso tem acontecido cada vez com mais frequência.

Semana passada, por exemplo, o sobrinho da minha irmã apareceu aqui em casa; Há exatos seis anos que eu não via o moleque, mas ele continua igualzinho, no alto dos seus 10 anos. Nem muito mais alto o menino não está - mentira, ele deve ter o dobro do tamanho antigo, mas meus parâmetros são meio injustos, o que explica a idéia de que ele não mudou muito, do meu ponto de vista "idoso".

Daí que olhei para ele e o cumprimentei como se nenhum tempo tivesse se passado entre as duas visões: "Oi, Mateus, tudo bom?", ao que ele me olhou espantado, com aquela cara de "como é que essa dona aí sabe o meu nome?". Eu, percebendo o embaraço dele insisti em manter a conversação mandando um "você lembra de mim?" - PÉÉÉÉÉÉ, soou a primeira chamada para o cargo de tia velha - e ele, honestamente e sem se preocupar com a conversação, respondeu com um "Eu não!" - PÉÉÉÉ, soou a segunda chamada.
Não contente com a humilhação, mas sem me dar conta do desastre "auto-estímico" que eu armava contra mim mesma, prossegui: "Eu sou irmã da sua tia, conheci você há muito tempo, quando você era pequeno..." PRONTO! Estava armado meu circo! O pobre menino me olhou com aquela cara de "ah é? puxa, que legal, tia" e não disse nada, só sorriu um sorriso tão amarelo que fez cair a ficha: a idade tinha chegado. Já podia arrumar um baleiro, pois estava mais do que óbvio o meu papel na situação.
Minha irmã, vendo a cena, não perdoou: é, fia, você tá mesmo uma tia. E daquelas bem velhas!

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Paixões desgastadas ou cenas de uma vida que não minha 1

Prólogo:
uma residência qualquer, 3 horas de uma tarde qualquer de domingo. uma mulher qualquer fita o telefone com uma expressão preocupada e irritada, enquanto muda insistentemente o canal da televisão que ela não assiste.

Cena 1:
(telefone toca)
(ela)-Alô?
(ele)-Alô! Oi meu bem, sou eu.
(ela)-Francisco? Onde você andava?
(ele)-Como assim? Eu te disse que ia passar uns dias na casa da Maria!
(ela)-Como assim, "passar uns dias na casa da Maria"? Que história é essa?
(ele)-Ué, querida, eu te falei, lembra? Naquela noite, voltando do Bar do Tonho...
(ela)-Francisco, tudo bem que eu tinha bebido bastante, mas posso jurar que você não me disse nada! E mesmo assim, que história é essa? O que é que você está fazendo na casa duma safada?
(ele)-Ei! você ficou louca? bebeu de novo? Ela tá mal por conta do divórcio e me pediu um ombro!
(ela)-Um ombro, sei! Ela quer é te pegar de jeito! Vagabunda!
(ele)-Você tá drogada? Como é que pode falar assim da minha irmã? De fato, você está louca!
(ela)-Francisco Pereira de Souza, você não tem nenhuma irmã chamada Maria, a menos que o Pablo tenha virado travesti e mudado de nome!
(ele)-Você me chamou de quê?
(ela)-Não chamei de nada, mas deveria ter chamado. Cara-de-pau, salafrário...
(ele)-Não, pára! você me chamou de Francisco Pereira de Souza. Esse não é meu nome! Eu sou Francisco Antunes... Quem tá falando? é a Ana?
(ela)-Que Ana? É a Paula...
(ele)-...
(ela)-...
(ele)-É do 21346785?
(ela)-Não, é 23146785.
(ele)-Desculpe, foi engano.

Epílogo:
uma residência qualquer, 3 horas e 5 minutos de uma tarde qualquer de domingo. uma mulher qualquer fita o telefone com uma expressão chocada e confusa, enquanto muda insistentemente o canal da televisão que ela não assiste.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Lista de Coisas Brancas - coisas que podem ser, que parecem ou que eram brancas

(De Raquel Stolf)



arroz. açúcar. nuvem. sal. isopor. caderno novo. tontura. neve. pérola. céu nublado. sussurro. borracha de apagar. concha. minha geladeira. cabelo branco. vermes. pasta dental. eco. naftalina. dia de sol forte na praia. ovos. morte. tinta de parede. vômito. guarda-pó. cocaína. maionese. roupa de médico e dentista. larva de inseto. dados. pasta d’água. ramela. papel. nervo. página. palmito. branco do olho. máscara para pó. quando se esquece de repente. mingau de aveia. dor de cabeça. melão aberto. tempo que não passa. papel toalha. dentro do pequi. sabão de coco. caneta quando falha. vôo. pedriscos de aquário. farinha de trigo. alho. dentro da barata. polpa de fruta-do-conde. franqueza. ossos. quase no fim de alguma coisa. metade da zebra. pelicano. glândula parótida. anseio. sofá. barba. arrepio. miolo de pão branco. sêmen. dentro da semente da fruta. esqueleto. rabo de macaco comodo. guardanapo. couve-flor. insônia. sulfato de bário. cimento branco. iceberg. dentro da maçã. falha. travesseiro. gaivota adulta. urso polar. máquina de lavar roupa. dentro da jabuticaba. magia branca. forno microondas. leveza. roupa de lutador de sumô. torre de marfim. entre a polpa da laranja e a casca. cabra-das-neves. flor da figueira-do-inferno. cegueira segundo saramago. quando a unha cresce. papel higiênico. leite. neblina. pus. dentro do travesseiro de penas. faixa de pedestres. saudade. instante antes do desmaio. saco de leite tipo a, b e c. ovos de siba. legenda de filme. shampoo. varinha de condão. plâncton. cano de esgoto. farinha de mandioca. pólo sul. mosquiteiro. nudez. copo plástico descartável. interruptor de luz. glândula mamária. cursor. talo de couve-chinesa. desejo. lacre do vidro de requeijão. pólo norte. borboleta. bola de golfe. gás lacrimogêneo. elefante branco. buda. barriga de pingüim. chuvisco de tv fora do ar. flor de heléboro. creme para cabelo. atrás da foto. algodão. paz. secreção nasal. vestido de noiva. pele de quem não toma sol. fumaça de cigarro. sabonete. chocolate branco. ovo de piolho. creme para espinhas. flocos de arroz. talco. bolor de pão. iglu. caspa. flash. nabo. areia da praia. cheque em branco. dente de leite. prédios públicos. leite de magnésia. filhote de urubu. gaze. avião. flor de feijão. coruja-das-neves. dunas. substância gelatinosa de ovos de rã. mancha de água sanitária. bolo de noiva. pó com antraz. glândula sublingual. deserto. cal. gato branco. pensar demais. protetor solar. espaço entre as linhas escritas. prato de porcelana. horizonte. requeijão. fantasma. gordura vegetal hidrogenada. lençol de hospital. coelhos. salada de repolho cru. saponáceo. luz. nosso carro. estrelas. animais albinos. carneiros. banana descascada. piso do meu banheiro. hóstia. diamante. envelope. espuma de sabão em pó. lua vista da terra. dentro do grão de feijão. sacola plástica de supermercado. cerdas da escova de lavar o vaso sanitário. molho branco. cérebro. sol. manjar de coco. pessoa pálida. parede. comprimido. minha máquina de costura. broto de pinhão. lenço. carne do peixe. atadura. meia soquete. gelo seco. gesso. garça. sagu cru. carne da lagosta. balinha de 2 calorias. felicidade inesperada. saco de algodão. computador quando trava. cadarço de tênis. bola de pingue-pongue. leite materno. cocada. pano de louça. mármore. vela. galinha. poodle. túmulo. anemia. suspiro. filhote de foca. clara em neve. papel fotográfico antes de ser velado. queijo derretido. dente. pomada para assadura. vinho branco. vapor d’ água. ricota. lâmpada fluorescente. rato branco. leucócitos. ruído. bocejo. gêiser. ovos de tarântula. nata. marfim. camisa-de-força. filhote de fragata. álbum branco dos beatles. bolo de queijo. surdez. rabanete descascado. ser o primeiro da fila do banco. esparadrapo. goiaba branca. filhote de águia. fralda descartável. pausa em gravação. ficar de cama. pipoca. gueroba. veneno para pulga. igualdade. flor de cicuta. fita virgem. xícara de porcelana. ovelhas. coisa nova. coisa usada. pedaços da bola de futebol. falta de cálcio. cegonha. vulto. eco. bicarbonato de sódio. vela de barco. absorvente feminino interno e externo. ovos de codorna cozidos. camiseta branca. espuma do mar. doce de polvilho. linho. fim. cavalo. corretivo. camisa de garçom. placa de pvc. fita virgem. champignon. micose. respiração congelada. fundilho de calcinha. ouro branco. alcatraz. flor do café. susto. galinha-da-neve no inverno. etiqueta de roupa. lulu da pomerânia. crânio no encefalograma. ficar sozinha em casa. peça de dominó sem pontos. relâmpago. possibilidade. unicórnio. broto de feijão. ambulância. minha lixeira da cozinha. pétala de margarida. fim de madrugada. cartilagem. rendas. cálcio. tule. zero. coador de café. couro cabeludo. adoçante. cola branca. passagem para outro mundo. filhote de atobá. miolo do coco. múmia. vitiligo. fundo do relógio. raposa-do-ártico. falsidade. gordura de mortadela. casulo de bicho-da-seda. saliva seca. peruca de juiz. amnésia alcoólica. fio de luz. impossibilidade. paina. buraco branco. burburinho. fralda de tecido. palha de milho seca. tudo. nada. raiz de fio de cabelo. filtro de cigarro. faixa branca. teia de aranha. via láctea. filtro de café. passe-partout. começo. fio dental. tubarão branco. cambraia. cola em bastão. alpes. tampa de canetinha. cisne. creme hidratante. fita veda-rosca. vácuo. carta branca. desbotado. casca do ovo de jacaré. bola de vôlei. barriga de arminho. espirro. fundo dos buracos negros. toalha de banho. arroz doce. roupa de pai-de-santo. pétalas de narciso. espuma da cerveja. teclas brancas do piano. listras do uniforme escolar. casulo de borboleta. pedra calcedônia. roupa para ano-novo. bactéria schizophyta. dentro da concha. glândula submandibular. vaso sanitário. seiva da planta pau pelado. espinha de peixe. pó de arroz. velocidade. relógio parado. kimono. saquinho de chá. lírio. espuma de raiva. mosca branca. penugem na roupa. erro de encadernador. jasmim. avalanche. toalha de mesa. samoieda. anã branca. lebre-do-ártico. aspirina adulta. flor copo-de-leite. dia frio com sol. cana-de-açúcar. avental. barata branca. canjica. antúrio indiano. carneiro das montanhas. roll-on do desodorante. veneno para pulga. flor de nenúfar branco. soluço. céu com chuva. massa corrida. etiquetas. silêncio. sono. reflexo. cebola crua. medo. gelo. giz. comida mofada. bandeira branca.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Da arte de fingir.

Fingir é uma arte. Que me perdoem os puristas e os moralistas, mas fingir não é pra qualquer um. Há que se acreditar no fingimento, há que se respirá-lo e jurar sua veracidade, mesmo quando tudo parece apontar na direção contrária. Não se pode admitir o fingimento em hipótese alguma pois, se assim o fizer, perde-se para sempre o benefício da dúvida.

Não, não escreve aqui uma fingidora; minhas artes são precárias, nesse e nos demais campos artísticos: uma flautista débil, poetisa frustrada, narradora ineficiente, cantora sofrível, atriz precária e fingidora medíocre. Como nas demais artes não sou uma exímia executora, e considero-me antes uma "apreciadora" do fingimento alheio.

Os últimos dias, entretanto, têm desafiado meu talento artístico. Como seguir a vida quando tudo que realmente importa parece desabar?

Como levantar, ir à academia, seguir para o trabalho, decorar árvores de natal, comprar presentes, desejar boas festas, atender telefone, falar com clientes, sorrir simpaticamente, ser prestativa e fingir que está tudo bem quando, na verdade o que se sente é que o maestro da sua orquestra se perdeu completamente? Como tecer uma coberta com a sua vida se bem no meio do sossego encontramos um nó muito apertado?

Eu vejo apenas uma possibilidade: combinar a arte do fingimento com a do esquecimento. Esquecimento, sim. Não porque eu queira de fato esquecer, ou melhor não que eu queria fingir que nada aconteceu, eu preciso apenas não lembrar, durante o dia, que o mundo está suspenso por um fio. Preciso do removedor que anule a cola da preocupação, pois não há nada que se possa fazer.

E então eu finjo. Finjo, sim, mas não para os outros: finjo pra mim mesma que está tudo bem. Finjo que não tenho a mão da tristeza apertando meu coração, e que nunca vi esses capítulos do drama em minha vida. Mergulho de cabeça na vida cotidiana e esqueço que o resto está mulambento, e que anoiteceu em mim contra a vontade do dia.

Assim sigo, esperando pelo natal que vai chegar, e torcendo que com ele venha a frase que pretende ser um beijo: desculpe, eu errei.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

nadando só em águas frias



uma hora a gente cansa, tem hipotermia e afunda.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Um abraço partido

Sentada, num lugar menos importante, me perco nas conversas alheias. Fantasmas estão em nossas vidas por alguma razão: temos que descobri-la ou viveremos com eles por toda a vida. é uma escolha e, portanto, não há resposta certa. Aprende(re)mos algo com nossos fantasmas? Eu, pessoalmente, não gosto de ver pessoas mortas. São abraços que não se pode dar.
Um trompete numa rua escura entoa uma triste melodia, e me torno parte de um filme de Almodóvar; tragicômico, como são todas as histórias de amor.
Histérica, ainda personagem, caminho apressada, sem rumo certo, buscando apenas fugir das idéias que me atormentam. Corro, gritando em silêncio, e, à esquina, encontro você.

Acordo: o amor é um abraço de sol numa manhã de inverno.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Conto de fada pós moderno

ao Ev.

E então, numa reviravolta alucinante, descobre-se que princesa não é guardada por um dragão, ela era o próprio dragão. Em seguida, percebe-se que a bruxa malvada acabou casando com o mocinho, João comeu Maria num fratricídio hediondo e o sapo-besta-fera virou mosca após beijar a pequena sereia.

Isso aconteceu no dia em que abriram a caixa de pandora e a maldade espalhou-se pelo mundo. A esperança? Não tinham mais. Haviam perdido há anos, numa das tantas mudanças de casa.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

De quando o coração pára de bater

"Um enfarte é definido como uma lesão tecidual isquêmica irreversível, isto é, devida à falta de oxigênio e nutrientes, geralmente associado a um defeito da perfusão sanguínea (oclusão do suprimento arterial ou da drenagem venosa). Esta situação vai levar à morte celular (necrose), a qual vai desencadear uma reação inflamatória local. O infarte mais conhecido é o infarto do miocárdio, ou seja do músculo cardíaco."

Há três dias, ele parou: Confesso que o primeiro dia foi o mais difícil, e não consegui sair da cama. Ontem, fui ao trabalho: sem atestado médico, o chefe não quer nem saber.
Hoje, ainda sem nenhuma notícia nova, nenhuma resposta, ouvia-se apenas o pulsar do vazio e o seu eco. Num ato de desespero, ligo para a emergência:

"Por favor, enviem-me os para-médicos, pra que me ressuscitem um coração partido".

sábado, 1 de agosto de 2009

Averso

faz anos que penso sobre isso - aliás, existe uma outro versão desse poema nesse blog.

me descrevo pelo avesso
e o avesso também é meu.
mas sou eu,
não o avesso,
o verso


eu sei que é brega, mas fazer o quê?

paciência

ainda desconheço.
ainda procuro.
exercito e os anos passam,
insuficientes.
esperar, esperar, esperar, esperar, exasperar

acendo um cigarro e penso no que foi.
penso.
penso.
exaspero novamente.
procuro teu - vossos - corpo(s)
ao meu lado,
encontro uma calça jeans e um vestido amassado

escada abaixo,
cerveja ou vinho, já não sei,
acompanham o cigarro aceso
mas eu estou só,
e as pequenas tarefas cotidianas
parecem impossíveis.

para que falar do tempo, do tempo, do clima, das horas?
por que esperar, sem saber o motivo?
buscar, sem saber o quê?
e ainda assim buscamos.

em cada corpo, uma resposta,
um sonho desfeito,
novo pensar,
novo exasperar,
novo esperar.

e nova busca.
e nova falta.
e nunca uma casa,
nunca o conforto de ter,
definitivamente,
encontrado.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

do preço que as coisas tem.

eu sei, eu bem sei que tudo tem seu preço. todos tem seus tempos e sua hora, só que eu não sei em que hora ando. em que tempos andas, em que jornada estamos. estamos? ainda existimos nós?

eu sabia que iria pagar um preço por minhas ações. mas será esse o preço? será que é um preço justo pela ação de calar? calar, apenas? calar. sumir, desparecer do mapa.

era desse respeito que falamos tantas vezes?