É simplesmente horrível quando você percebe que se transformou numa tia velha. Igualzinha àquelas que você odiava ir visitar quando era criança, e a sua mãe insistia que família é família, agora vamos que eu não tenho o dia inteiro e aproveita que eu to calma. Então você ia, à contragosto e, na melhor das hipóteses, se calhasse de estar de ótimo humor, forçava um sorriso aos cumprimentos e gracejos da tal tia, que, invariavelmente, seguiam o esquema:
A) Nossa, como você tinha crescido! B) parecia que tinha sido ontem a visita à maternidade, quando você nasceu! C) meu deus, mas já fazia tanto tempo assim? D) era todo esse tempo mesmo, porque foi antes do fulano morrer, coitado; E) a conversa descambava pro assunto de falecidos e casamentos, e você estava, enfim, dispensada da suas obrigações familiares, podendo se atracar na mesa de doces (toda tia velha que se preze tem uma mesa de doces - ou um baleiro - que toda criança precisa atacar sorrateiramente pra não ganhar uns beliscões da mãe, ou, no meu caso, um olhar terrível que dizia "pára com isso já ou sua bunda vai ficar quente antes mesmo de chegar no carro") Mas enfim, dizia eu, é horrível quando você percebe que se transformou numa tia velha. E isso tem acontecido cada vez com mais frequência.
Semana passada, por exemplo, o sobrinho da minha irmã apareceu aqui em casa; Há exatos seis anos que eu não via o moleque, mas ele continua igualzinho, no alto dos seus 10 anos. Nem muito mais alto o menino não está - mentira, ele deve ter o dobro do tamanho antigo, mas meus parâmetros são meio injustos, o que explica a idéia de que ele não mudou muito, do meu ponto de vista "idoso".
Daí que olhei para ele e o cumprimentei como se nenhum tempo tivesse se passado entre as duas visões: "Oi, Mateus, tudo bom?", ao que ele me olhou espantado, com aquela cara de "como é que essa dona aí sabe o meu nome?". Eu, percebendo o embaraço dele insisti em manter a conversação mandando um "você lembra de mim?" - PÉÉÉÉÉÉ, soou a primeira chamada para o cargo de tia velha - e ele, honestamente e sem se preocupar com a conversação, respondeu com um "Eu não!" - PÉÉÉÉ, soou a segunda chamada.
Não contente com a humilhação, mas sem me dar conta do desastre "auto-estímico" que eu armava contra mim mesma, prossegui: "Eu sou irmã da sua tia, conheci você há muito tempo, quando você era pequeno..." PRONTO! Estava armado meu circo! O pobre menino me olhou com aquela cara de "ah é? puxa, que legal, tia" e não disse nada, só sorriu um sorriso tão amarelo que fez cair a ficha: a idade tinha chegado. Já podia arrumar um baleiro, pois estava mais do que óbvio o meu papel na situação.
Minha irmã, vendo a cena, não perdoou: é, fia, você tá mesmo uma tia. E daquelas bem velhas!
Um comentário:
Ah, como ando me sentindo assim com frequência...
A última vez foi na noite de Natal, quando a "menina" dos vizinhos veio conversar comigo sobre seu desempenho no... vestibular!
Ótimo texto, moça! Beijocas!
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