terça-feira, 23 de agosto de 2011

De livros, de saudade e de melancolia

Aos vinte e um anos a gente é jovem e o mundo é cheio de possibilidades. O meu era, entretanto, cheio de melancolia. Uma melancolia linda, como são as tardes frias e ensolaradas. como são, também, as dedicatórias de livro.

Minha vida era uma eterna dedicatória de livro: aquela coisa cheia de amor, carinho, possibilidade, esperança e melancolia.

Amor, sim, e carinho, pois não conheço quem escreva dedicatória com o intuito de magoar a quem se escreve.

Possibilidade e esperança, sim, pois cada dedicatória, escrita antes de iniciada a leitura, pretende que o destinatário goste daquele livro tanto quanto nós gostamos.

Melancolia, sim, porque, como tudo que é perene, a dedicatória destina-se a tornar-se passado depois de lido o livro.

E a Vida era dedicatória porque assim transcorriam os dias, cheios de amor, saudade, possibilidade e passado.

Estudava literatura portuguesa e Manoel, meu professor, mandava-nos ler Eduardo Lourenço e sua Mitologia da Saudade. Aquelas aulas eram cheias de sol, com a fala mansa de quem vem do Ceará. lembro de quase dormir embalada pelas palavras do Manoel, e tudo me parecia doce. Camões e sua lírica, de uma doçura banhada de decadência. Inês de Castro, n'Os Lusíadas... talvez eu sonhasse um amor que me coroasse mesmo depois de morta. Eu achava tudo muito lindo e poético.

Meu namorado, à época, insistia em me chamar "menina", embora fosse pouco mais velho que eu, mais jovem do que sou hoje. meu doce jurava me amar, e eu, ainda que descrente, acreditava. Eu fui um furacão de vida que arrebatou-lhe os sentidos, hoje sei, e talvez já soubesse então. Pedro dizia que eu era jovem demais para o peso da alma dele, mas eu sempre achava  - talvez na inocência que os vinte e um anos nos permitem ter - que eu suportaria qualquer peso do mundo. E a vida provou que não, pouco depois.

No dia dos namorados daquele ano, eu lhe dei um all star preto, de cano baixo. Ele me deu um livro do Calvino. Talvez isso já mostrasse o quanto nossas almas tinham pesos distintos, mas nenhum dos dois quis ver. A dedicatória deste livro é pura melancolia, e é esse o sentimento que escorre pelas cento e tantas páginas escritas.

Eu confesso que achei o livro um tanto chato. até que achei uma parte que falava de mim. Não lembro qual era a parte, confesso. talvez já nem fale de mim, hoje. mas na época, foi o que me deu força para terminar o livro, e passei a amá-lo com uma ternura morna e boa.

Hoje fui jogada lá em 2006, pra dentro deste livro. E fui jogada de forma vil, até. Arremessada inadvertidamente para dentro de um mundo de saudade e melancolia, por conta do que disse um grande afeto que me feriu e a quem feri. Por que feri? Talvez por amor demais, talvez por preocupação demais e, com certeza, pelo maior sentimento de impotência que um amigo por sentir em relação ao outro. Anita, as suas cidades eu bem conheço; a da vida real, a nossa, e aquela, do Calvino. Mas deixe: seu segredo está seguro comigo.

7 comentários:

Anônimo disse...

"Talvez não reste muito a ser dito. Geralmente não resta."

E por aí vai, dedicatórias....

Lamaringoni disse...

eu conheço essa dedicatória.

;)

Sandro Brincher disse...

porra, eu tenho uma historinha de dedicatória, mas vou ter que esperar uns 20anos pra escrever. Dói muito ainda.
3ª lida nisso aqui. Tão leve.

Flavia C. disse...

Coração picadinho. Coisa mais linda, Larita.

Anita Dutra disse...

Em 2006 eu fui arremessada no Rio. E arremessada num novo casamento que meu rendeu 21 anos de azar, o primeiro deles já cumprido. A torcer que a maldição vá se dissipando a cada ano. Que, aos poucos, os alvos de minhas paixões não sejam tão estrangeiros. E que meus amores não pousem tão longe, incluindo aí os amores de amigos. Que a oitava vez que eu leia isso aqui já não me faça chorar tão compulsiva e passionalmente, que eu chore de vontade própria e ressuscitada. Que seja amanhã. Que amanhã seja mais leve. Com amor, Anita.

Bruna Rafaella disse...

Que descoberta linda!

Lamaringoni disse...

Obrigadam Bruna! Seja bem-vinda!