quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Preciso me encontrar

do grande mestre, Cartola.

http://www.youtube.com/watch?v=HN0_mN7fWa8&feature=player_embedded#!

Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir prá não chorar
Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir prá não chorar...

Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer
Quero viver...

Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir prá não chorar
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Depois que me encontrar...

Quero assistir ao sol nascer
Ver as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer
Quero viver...

Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir prá não chorar...

Deixe-me ir preciso andar
Vou por aí a procurar
Sorrir prá não chorar
Deixe-me ir preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir prá não chorar...

domingo, 25 de setembro de 2011

Como sempre

Ainda sinto o cheiro de cigarro na boca, entre os dedos, preso eternamente às narinas. Aquele cigarro roubado, todas as vezes, já virou marca que nos une. Da mesma forma, o gosto amargo da cerveja bebida, a cada semana, confunde nossas cabeças e faz ver mistérios onde não há.

Você, na verdade, são vocês. A noite, em verdade, são muitas noites. E os beijos e os gostos, bem, esses são muitos também. mas vocês pensam que são únicos, e eu lhes deixo crer. Deixo viverem na fantasia de que são os maiores e que me possuem. Deixo que acreditem numa paixão desmesurada. Deixo que pensem que eu sou frágil e que suas masculinidades me podem machucar.

Assim vocês se vão enredando, perdendo o senso. E, quando tu - ou seriam vocês? - acordares, ela - ou seria eu? - não estará mais ao seu lado, evaporada com a primeira luz da manhã.

Acredita, amor, que toda mulher te pode amar. Mas assim, aviso, viverás tua perdição.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Antes do amanhecer

"Na vida é assim, a gente encontra o cinismo e perde a cerveja, a decência e o copo, tudo de uma vez só."

Foi assim que ela me disse, num fim de noite num bar qualquer. Na verdade não era um bar qualquer, era um bar decente, daqueles que a gente só encontra do lado das igrejas, nos cafundós da cidade.

Ela não era bonita, e nem sabia mesmo dançar. Além disso, reclamava o tempo todo que não deveria estar ali, pois era mulher de família. Isso, entre um gole e outro de cerveja. Mas, naquela noite, ela nos tinha a todos na mão: literalmente, ela era quem pagava a bebida. E, verdade seja dita, ela até não era má companhia. Nós quatro, cheios de gana e de hormônios, queríamos muito aquela companhia, adulta e feminina, entre nós. Era possível que quem nos olhasse percebesse o brilho carniceiro que cruzava os nossos olhares, quase lascivos, quando mirávamos nossa patrona.

Mas a moça não sabia muito o que fazer, quando o fim da noite era iminente e o retorno ao lar se aproximava. Foi aí que ela se engraçou com um malandro que passava, e havia voltado a cabeça para melhor apreciar aquelas pernas dela - sim, permitam-me dizer: a danada tinha uma pernas tão compridas que pareciam capazes de abraçar o mundo. 

O vagabundo tinha jeito de quem batia em mulher. E, foi ela quem nos disse, cachorro e macho a gente reconhece pela cara. Pois aquele bem tinha cara de cachorro. Macho que eu já não sei, porque dessas coisas eu passo longe. Mas o fato é que a desgraçada olhou pra ele, olhou pra nós, aqueles quatro garotos que não sabiam nem onde se enfiar quando ela falava algum palavrão - e ela falava tantos! - e não teve dúvidas: sem pensar no marido e nas quatro crianças sujas que deixava em casa, mandou dizer pro pai que não voltava mais e subiu na moto branca do infeliz. A última coisa de que me lembro foram aquelas palavras dela, seguidas das do João Filé:

"putaqueopariu, a vagabunda levou o dinheiro e deixou a conta pra pagar"

...

Alice Maria, esse era seu nome. Ninguém nunca mais ouviu falar.



.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

De livros, de saudade e de melancolia

Aos vinte e um anos a gente é jovem e o mundo é cheio de possibilidades. O meu era, entretanto, cheio de melancolia. Uma melancolia linda, como são as tardes frias e ensolaradas. como são, também, as dedicatórias de livro.

Minha vida era uma eterna dedicatória de livro: aquela coisa cheia de amor, carinho, possibilidade, esperança e melancolia.

Amor, sim, e carinho, pois não conheço quem escreva dedicatória com o intuito de magoar a quem se escreve.

Possibilidade e esperança, sim, pois cada dedicatória, escrita antes de iniciada a leitura, pretende que o destinatário goste daquele livro tanto quanto nós gostamos.

Melancolia, sim, porque, como tudo que é perene, a dedicatória destina-se a tornar-se passado depois de lido o livro.

E a Vida era dedicatória porque assim transcorriam os dias, cheios de amor, saudade, possibilidade e passado.

Estudava literatura portuguesa e Manoel, meu professor, mandava-nos ler Eduardo Lourenço e sua Mitologia da Saudade. Aquelas aulas eram cheias de sol, com a fala mansa de quem vem do Ceará. lembro de quase dormir embalada pelas palavras do Manoel, e tudo me parecia doce. Camões e sua lírica, de uma doçura banhada de decadência. Inês de Castro, n'Os Lusíadas... talvez eu sonhasse um amor que me coroasse mesmo depois de morta. Eu achava tudo muito lindo e poético.

Meu namorado, à época, insistia em me chamar "menina", embora fosse pouco mais velho que eu, mais jovem do que sou hoje. meu doce jurava me amar, e eu, ainda que descrente, acreditava. Eu fui um furacão de vida que arrebatou-lhe os sentidos, hoje sei, e talvez já soubesse então. Pedro dizia que eu era jovem demais para o peso da alma dele, mas eu sempre achava  - talvez na inocência que os vinte e um anos nos permitem ter - que eu suportaria qualquer peso do mundo. E a vida provou que não, pouco depois.

No dia dos namorados daquele ano, eu lhe dei um all star preto, de cano baixo. Ele me deu um livro do Calvino. Talvez isso já mostrasse o quanto nossas almas tinham pesos distintos, mas nenhum dos dois quis ver. A dedicatória deste livro é pura melancolia, e é esse o sentimento que escorre pelas cento e tantas páginas escritas.

Eu confesso que achei o livro um tanto chato. até que achei uma parte que falava de mim. Não lembro qual era a parte, confesso. talvez já nem fale de mim, hoje. mas na época, foi o que me deu força para terminar o livro, e passei a amá-lo com uma ternura morna e boa.

Hoje fui jogada lá em 2006, pra dentro deste livro. E fui jogada de forma vil, até. Arremessada inadvertidamente para dentro de um mundo de saudade e melancolia, por conta do que disse um grande afeto que me feriu e a quem feri. Por que feri? Talvez por amor demais, talvez por preocupação demais e, com certeza, pelo maior sentimento de impotência que um amigo por sentir em relação ao outro. Anita, as suas cidades eu bem conheço; a da vida real, a nossa, e aquela, do Calvino. Mas deixe: seu segredo está seguro comigo.

domingo, 31 de julho de 2011

levo no corpo a tua lembrança, e outras mais.

até que veio outra lembrança pra tomar o lugar dela,
e  como tatuagem velha,
a cicatriz que você me causou virou parte de um novo desenho.

e a gente cresce com isso. que lindo.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

conto de fadas.

Ah, Querida,

Se, naquele mundinho maniqueísta-em-preto-e-branco que você criou, só há lugar para vilões e mocinhos e o seu papel é sempre o de vítima, me sinto honrado por fazer o papel de vilão: eles se divertem mais no desenrolar da trama e no fim da história há sempre o lugar para o arrependimento e a redenção.

mas não se iluda: isso só funciona assim no seu folhetim, porque na vida real é bem diferente.

E na vida real eu repouso uma cabeça bem tranquila no meu travesseiro, com a certeza de que nunca cometi nada de ilegal, imoral ou que engorde.

sigo então com a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo, numa música bem bicho-grilo.

domingo, 19 de junho de 2011



Dê amor
Dê paixão
Dê espera
Dê esperma
Dê prazer
Dê fogo
Dê uma nela
De carinho
De sacanagem
De sarro
De fato
Dê amor
Dê segurança
De anca na anca dela
E amanheça de cabeça dentro dela

sábado, 4 de junho de 2011

os dias são mais bonitos depois que você se foi

é a mais pura verdade;
é outono, eu sei, embora eu mal tenha tempo de ver o tempo passar, da minha sala sem janelas.
os dias são lindos, embora eu não possa sentir o calor do sol.

a verdade é que tudo que é novo e também o que é velho pode finalmente encontrar seu lugar, agora que você não está mais aqui para mover tudo o tempo todo para os lugares errados.

e eu sou feliz por isso. e eu te agradeço por isso. obrigada.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Y que vengan los veinte y seis.

E chega ao fim minha juventude. ou, antes, a primeira metade dela.

Entro na segunda faixa da população: aquela que é mais economicamente ativa; a partir de agora, dimimui o valor do seguro de automóvel para as mulheres, já que chego ao auge da minha fertilidade, e mulheres assim costumam ser mais cuidadosas.

Também significa que eu já posso usar renew da Avon, ou chronos da Natura. já é hora de morar sozinha. já deveria ler Cláudia, e espera-se que em breve eu encontre um homem também economicamente ativo, que formemos um casal, que moremos em um apartamento com um gato ou cachorro e em dois ou tês anos, arrumemos para os nossos pais os tão sonhados netos. Sou adulta, enfim.

Algo assim deveria ser o plano ou o esquema da minha vida. Mas, confesso, nada disso ainda é parte efetiva dela. exceto, talvez, o lance da fertilidade, e o fim da juventude. O mundo é hoje muito diferente daquilo que eu sonhei há dez anos. infinitamente diferente daquilo que eu planejei quando tinha quinze. Confesso que é um pouco frustrante ver que vários dos seus planos se perderam no caminho, que outros continuam os mesmos mas ainda não passam de projetos, e que outros parecem cada vez mais impossíveis, mas a chegada de um novo ano, e aquele desejo de aniversário feito no soprar das (26) velinhas, renovam as esperanças desde coraçãozinho de que alguns deles sairão dessa vez do projeto. e ver quanta coisa eu fiz no ano que se passou ajuda a dar aquele ânimo bacana pra soprar todas a velas de uma vez só.

Mas a verdade é que adoro meu aniversário. quando criança, amava  o fato de ter nascido em feriado, de ter sempre folga e de pensar que o dia era só meu. quando descobri que outras pessoas compartilhavam a data comigo, a frustração primária pela perda da exclusividade logo cedeu lugar à alegria: só tem gente legal fazendo aniversário comigo, e é assim até hoje.

então não tem muito o que falar: em pouco mais de duas horas é meu aniversário, eu estou feliz, mesmo com as bordoadas que a vida insiste em me dar, pra que eu não pense o tempo todo o quão sortuda e abençoada eu sou, e não vire uma metida (mais) insuportável, e sei que aquilo tudo que eu planejei vai demorar mais um pouquinho, mas vai chegar. porque é sempre assim, com quem pega o ônibus do cacupé: a lenda tarda, mas não falha.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

I may not always love you... And I won't.

Todo fim de relacionamento parece o fim do mundo, e todo mundo sabe disso.
A gente sente que o mundo parou, abriram um buraco e arrancaram algo muito muito grande, lindo e importante de dentro do nosso peito e no lugar botaram um pedregulho que cutuca insistentemente a ferida aberta.

No começo pode ser mais fácil se a gente tem raiva do ser (outrora / ainda) amado, porque a raiva parece ajudar a esquecer tudo de bom que o outro tinha. Mas né, todo mundo sabe que depois a raiva passa e daí vem ela, a saudade. A falta, ainda que inadmissível, o cheiro que é sentido a cada esquina, o rosto que é visto em todo lugar. Sintomas da abstinência. 

Nessas horas parece ser impossível acreditar que aquele amor vá passar. Daí a gente ouve música de fossa, esconde uma lagriminha aqui, chora outras várias ali. Parece que toda e qualquer novidade está pedindo pra ser compartilhada com o ex, parece que o mundo nos manda mensagens subliminares, parece que o universo espera que algum dos dois (e a gente pensa: "dois TEIMOSOS, burros, infelizes" etc, etc e tal) dê o braço a torcer e que na verdade nós fomos feitos um para o outro, como é possível deixar de amar aquele ser? Deus sabe que é impossível, que o dia que a gente deixar de se amar, não fará mais sentido a nossa existência... Ah, mas a gente saber que o amor vai passar. Só é duro acreditar que vai.

Eu, com essa minha mania de querer tudo juntoaomesmotempoagora quero abraçar o mundo, e quero que tudo fique bem pra ontem. e quero que venha vida nova com o outono, que se apressa em me contar que o inverno, a estação oficial da carência afetiva, não tarda.

E eu quero tudo pra hoje. Esquecer o velho e brindar o novo. E nessas horas fica difícil respirar. Daí parece que o cartão de crédito faz um bem... mas no fundo não faz nada. só me faz perder o sono na madrugada, quando além de lidar com amores brutos ainda tenho que fazer ginástica pra fechar o orçamento estourado em momentos de depressão. Coisa linda. Ah, e pra ajudar ainda tem o inferno astral, me contando que os 26  estão aí, que eu não tenho nada de muito concreto feito e e que meu futuro é meio piada. Fica fácil dormir, aí. E o tempo teima em desabar, como aquelas chuvas que me deixam tão deprimida. Pelo menos, penso eu numa medida de inútil consolo, os dias tem sido lindos. Ao menos isso.

Mas ai, eu sei que passa. E depois que passar eu volto a ser uma pessoa legal. tá? Me aguentem agora, amigos, porque eu to precisando mesmo ser pentelha.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Para fazer, continuar a fazer, sempre fazer:

quinta-feira, 31 de março de 2011

vinte quatro horas

Correr, correr...
Me entupir de coisas pra fazer, de problemas mundanos pra resolver, de contas pra pagar. correr, correr...
anotar tudo que tem que ser feito em um caderninho, porque a cabeça já não dá conta de lembrar de tudo que precisa ser feito, hoje, ontem, amanhã... correr, correr...
Sair de casa bem cedo, voltar bem tarde, fazer de noite o almoço de amanhã, comer correndo e tentar dormir, nas poucas horas que me restam, antes de levantar e correr pra começar tudo de novo. correr, correr...
E viver esquecendo tudo. tantar lembrar mas não conseguir. a dieta diária de esquecer alguma coisa. exceto uma. mesmo esquecendo do almoço, ou do jantar, do lanche, do guarda-chuva, do sapato, do livro ou mesmo da aula que deveria ter sido dada, tem sempre uma coisa que eu não olvido. É sempre uma coisa a me martelar a cabeça.

Nessas horas eu te odeio. e como te odeio. porque não esqueço de te amar.

quinta-feira, 24 de março de 2011

melancolia e saudade

O "sentimento" da melancolia parece inscrever-se numa constelação de afecções da alma que vão da tristeza à angústia, sem esquecer o tédio. Na medida em que pertence à esfera do "psicológico", há interferências entre esses três "estados da alma", em especial entre a tristeza e o tédio. A angústia, essa, é mais nítida. Menos indistinta, leva o ser à beira da própria negação. Mais não é, aliás, que a vida subtraída ao futuro, asfixiada por um presente sem dimensões. [...] De certa maneira, o anustiado tem excesso de vida e de impaciência; não compactua com o futuro nem projeta nele as cores da sua angústia. Ao contrário da melancolia, a angústia não comporta o "jogo" com o tempo - tudo é urgência, a própria memória fica como que em suspenso. O campo próprio da angústia é o da imaginação, imaginação do pior, em que o real fica de fora. O tédio, pelo contrário, remete-nos para o real, para o tempo, mas não para o jogo do tempo[...]. A realidade está a mais, e nós também. nâo precisamos pedir ao Tempo que suspenda seu vôo, como no poema em que a Melancolia romântica se encenou. Está já suspenso, ou melhor, roda invariavelmente em torno de si mesmo...

[Eduardo Lourenço - Mitologia da Saudade]

sábado, 19 de março de 2011

Sem Fantasia

Vem, meu menino vadio
Vem, sem mentir pra você
Vem, mas vem sem fantasia
Que da noite pro dia
Você não vai crescer
Vem, por favor não evites
Meu amor, meus convites
Minha dor, meus apelos
Vou te envolver nos cabelos
Vem perde-te em meus braços
Pelo amor de Deus
Vem que eu te quero fraco
Vem que eu te quero tolo
Vem que eu te quero todo meu
(...)



chico buarque

quarta-feira, 16 de março de 2011

Let's do it

eu sei lá
Vai saber
A gente faz o que dá pra fazer
Deixa estar
Manda ver
Que a vida faz da gente o que quer
Faz chorar
Dá prazer
E é um tudo um jazz
E tanto faz
Eu quero mais é ser feliz
Sem quás, quás, quás
Nem ti, ti, tis
No more to "bes" or not to "bes"


(Léa Freire/ Jean Garfunkel)

ouça aqui

domingo, 13 de março de 2011

Carta aberta ao melhor espetáculo da terra.

Para todos os amigos do Rio. Em especial, para Anita e Artur.


Qual o saldo de dez dias de carnaval?

O que será que me dá,
Que me bole por dentro, será que me dá,
Que brota à flor da pele, será que me dá,

Bem, além de uma gripe horrorosa - mais parecendo tuberculepra cancerosa (como diria mamãe) - além de uma unha quebrada no sabugo, além de alguns colares, além de leque de penas,  bonecas de barro, flor de cabelo e uma camiseta hand made que gerou comentários, além de milhares de fotografias, além de vídeos, além de tudo isso, ficou uma marca permanente.

E que me sobe às faces e me faz chorar,
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
E que não tem mais jeito de dissimular
E que não é direito ninguém recusar

Eu não acreditava em amor à primeira vista; não sei ainda se acredito; mas o fato é que algo aconteceu nesses dez dias, algo mudou pra sempre dentro de mim, e me fez uma pessoa mais feliz. Sabe quando algo bate dentro da gente, vira de lado, nos dá chutes na barriga?

E que me faz mendigo e me faz implorar
O que não tem medida nem nunca terá
O que não tem remédio nem nunca terá
O que não tem receita.

Esse amor, essa coisa que eu senti, sinto, sentirei, é assim, sem mais nem menos, que dá e passa, e volta e fica, e come bolo, e bebe cervejas e depois toma vinho e dá risada e se emociona nas pequenas coisas. Arrepia e faz arrepiar. Não sente culpa e não faz culpar. Isso que Anita e Artur me fizeram viver; amor de amigo, instantâneo.

O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia

Algumas coisas talvez sejam grandemente pequenas demais pra escrever aqui, outras, pequenamente grandes para serem compartilhadas nessas páginas imorais, para serem maculadas em sua pureza, com descrições cansativas e insuficientes.

Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os ungüentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos, toda alquimia
Que nem todos os santos, será que será

Não tem receita mesmo. Como poderíamos prever, Anita, Artur, que esses dez dias seriam tão incríveis? Como poderíamos prever que eu jamais me sentiria a terceira roda da moto, como poderíamos adivinhar que, tendo o Artur partido antes (para breve retorno), sentiríamos, eu e Anita, um vazio permanente, ainda que estivéssemos perfeitamente bem na companhia uma da outra?

O que não tem descanso, nem nunca terá
O que não tem cansaço, nem nunca terá
O que não tem limite

Como explicar pra todo mundo que passar a segunda feira do carnaval à luz de velas lendo poesia foi melhor do que pular loucamente no sargento pimenta? Coisa de maluco, mesmo. Coisa maravilhosamente louca.

(pausa:

Ai  que vida boa olerê, 
Ai que vida boa olara,
O estandarte do sanatório geral
Vai passar!)

E foram blocos, passeios, um cristo que teimava em não aparecer, para enfim me maravilhar na penúltima noite, e Paquetá e Parque Lage e Forte e Colombo e Saara e Dona Ivone e arcos da lapa e tour pelo centro e museu de belas artes e teatro rival e ancine e catedral-bordel e lomografia e fotografia e... e... e...

O que será que me dá
Que me queima por dentro, será que me dá
Que me perturba o sono, será que me dá
Que todos os ardores me vêm atiçar
Que todos os tremores me vêm agitar

E gentes, muitas delas. Flávia, Ronaldo, Fatih, Ruken, Alessandra, Akio, Leo, Rodrigo, Andressa... ah, eram muitos desculpem se não cito todos, mas saibam: estão todos aqui, comigo... mas, claro, não devo esquecer das queridas Cecília e Catarina, nem dos gatões Otto e Zico.

E todos os suores me vêm encharcar
E todos os meus nervos estão a rogar
E todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz suplicar

Ficam tantas coisas por comentar... tantas ainda por sentir... tantas já sentidas... confusas, mas deliciosamente insistentes. Sonhei que estava no Rio, e, de repente, era verdade. E era ainda melhor do que eu havia sonhado.

O que não tem vergonha, nem nunca terá
O que não tem governo, nem nunca terá
O que não tem juízo

Pouco resta a dizer, ainda que haja muito a falar; restam-me as fotos e o amor que ficou, e, a vocês, o meu obrigada, amigos, por terem tornado esses diazinhos alguns dos mais especiais da minha vida.

quinta-feira, 10 de março de 2011

o guardador de rebanhos

Em homenagem à noite mais memorável do carnaval 2011. Para Anita e Artur. Depois virá um com palavras minhas.


VIII
Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas…
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou —
«Se é que ele as criou, do que duvido» —
«Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres.»
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?

quinta-feira, 3 de março de 2011

problema de mulherzinha

tem horas que eu queria ser macho,
mas tão macho,
que era pra poder te dar umas porradas,
mandar parar de besteira
e vir aqui cuidar de mim,
que eu to com fome e tá na hora do jantar.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Do amor e outros jogos de azar

Este é um texto de fevereiro de 2010. só pra constar. o de 2011 virá logo.

Do amor e outros jogos de azar:

Jogos de azar são coisas que você entra já sabendo que vai perder. Mesmo assim arrisca, achando que, de alguma forma, não vai acontecer com você. Uma idiotice juvenil, coisa de adolescente, aquilo de "não, comigo vai ser diferente"... Deixa eu te contar uma coisa: Não, não vai ser diferente.

Vegas não existiria se a realidade não fosse uma única: a casa sempre ganha. E, tido isso como fato, há somente um outro lado da corda: se eles sempre ganham, você sempre perde.

O amor é um jogo. Já me contaram que existem dois tipos de jogos possíveis: o amor-frescobol e o amor-tênis. no primeiro, os parceiros jogam juntos, tentando fazer com que a a bola fique sem cair por mais tempo, e com isso os dois ganham. No segundo, um jogador só vence se o outro perder, então cada um joga pra si.

Honestamente, não sei o quanto acredito na existência do tal do frescobol. O amor é um jogo daquele tipo em que você aposta no preto 13, sabendo que vai dar qualquer outro número e cor na roleta, mas a excitação de pensar que o preto 13 pode vir a cair te faz jogar de novo e de novo, mesmo diante das infinitas derrotas. Volta e meia cai na sua escolha, e você acha que sua sorte vai mudar. Mas dura só um pouquinho, logo em seguida ela pula pra outra casa, outra cor, outra roleta...

É, estou desiludida. Eu criei uma cidade brilhante, iluminada, rica, com infinitas possilidades... terminei apostando num cassino qualquer, sem certeza de que o meu número 13 vai ser escolhido, com você ao meu lado me dizendo que foi uma escolha errada, da mesma forma que o foram todas as escolhas erradas que eu já fiz. Escondendo teus erros e falhas atrás dos meus. Desconsiderando que foi você quem me mandou escolher entre o 13 e o 31, esfregando em meu vestido puído a quantidade de vezes que não te ajudei na hora de apostar. Esquecendo-se que eu havia perdido tudo, e mesmo assim juntei os trocados que me restavam pra jogar numa aposta improvável, 200 pra 1. Achei que ganharia, você me disse que ganharíamos, ganhamos... ganhamos?

Estamos ambos jogando as moedas que sobraram, em cassinos distintos, destilando para a mesa os rancores que temos um do outro.

O amor é um jogo de azar. E a casa sempre ganha. Perdemos nós.

Breviário de sonhos

Noite passada sonhei. Como sonho todas as noites.
Era um sonho esquisito, como os sonhos de todas as noites.
Estava em Macau, ou Bombaim. Ou Buenos Aires. Talvez fosse San Francisco, não sei.
E não havia sol, nem direita, nem esquerda. Não havia luz ou calor.
Só eu, em uma terra estranha e familiar.

Tu quoque, Brute, fili mi!

até tu, Brutus?

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

a chuva faz bem em cair

pra molhar a melancolia que ficou depois que você se foi.

nesse dia abafado, tudo que meu coração deseja é que a chuva esconda as lágrimas que insistem em cair quando penso que talvez você não tenha nascido mesmo para ter um par.

o ímpar é bonito, é único, é singular. but one is the loneliest number.
e dois é o mais solitário depois do um.

na verdade você não era "the one"

e nós éramos legais demais pra ficarmos juntos.

sábado, 1 de janeiro de 2011

Das despedidas II

doismiledez foi um ano esquisito. algumas conquistas, outras perdas, nota 5 no balanço geral. não vai deixar saudade não.

doismileonze tem toda cara de que vai ser um ano legal.

mas todos os anos, quando chegam, não a tem?

é como uma criança: o que nasce vem cheio de potencial.


Resta-me torcer que esse não fique pelo caminho.


feliz doismileonze.