quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Antes do amanhecer

"Na vida é assim, a gente encontra o cinismo e perde a cerveja, a decência e o copo, tudo de uma vez só."

Foi assim que ela me disse, num fim de noite num bar qualquer. Na verdade não era um bar qualquer, era um bar decente, daqueles que a gente só encontra do lado das igrejas, nos cafundós da cidade.

Ela não era bonita, e nem sabia mesmo dançar. Além disso, reclamava o tempo todo que não deveria estar ali, pois era mulher de família. Isso, entre um gole e outro de cerveja. Mas, naquela noite, ela nos tinha a todos na mão: literalmente, ela era quem pagava a bebida. E, verdade seja dita, ela até não era má companhia. Nós quatro, cheios de gana e de hormônios, queríamos muito aquela companhia, adulta e feminina, entre nós. Era possível que quem nos olhasse percebesse o brilho carniceiro que cruzava os nossos olhares, quase lascivos, quando mirávamos nossa patrona.

Mas a moça não sabia muito o que fazer, quando o fim da noite era iminente e o retorno ao lar se aproximava. Foi aí que ela se engraçou com um malandro que passava, e havia voltado a cabeça para melhor apreciar aquelas pernas dela - sim, permitam-me dizer: a danada tinha uma pernas tão compridas que pareciam capazes de abraçar o mundo. 

O vagabundo tinha jeito de quem batia em mulher. E, foi ela quem nos disse, cachorro e macho a gente reconhece pela cara. Pois aquele bem tinha cara de cachorro. Macho que eu já não sei, porque dessas coisas eu passo longe. Mas o fato é que a desgraçada olhou pra ele, olhou pra nós, aqueles quatro garotos que não sabiam nem onde se enfiar quando ela falava algum palavrão - e ela falava tantos! - e não teve dúvidas: sem pensar no marido e nas quatro crianças sujas que deixava em casa, mandou dizer pro pai que não voltava mais e subiu na moto branca do infeliz. A última coisa de que me lembro foram aquelas palavras dela, seguidas das do João Filé:

"putaqueopariu, a vagabunda levou o dinheiro e deixou a conta pra pagar"

...

Alice Maria, esse era seu nome. Ninguém nunca mais ouviu falar.



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3 comentários:

jean mafra em minúsculas disse...

uepa!!!

adorei, neguinha.

boníssimo.

Anita Dutra disse...

Ousada e bem desenhada, essa bonita. Bem criatura de tua escritura fina, Dona Lamarí. =) #puroamor #deraiz

Bruna Rafaella disse...

Nossa...
e o gosto de querer mais e mais?!!
fiquei imaginando a cena!

adorei, muito lindo!


Beijos.