domingo, 8 de agosto de 2010

Eu te darei o céu, meu bem

"Eu te darei o céu, meu bem, e o meu amor também".

Aquela era a canção deles, e nenhum dos dois entendia o porquê. 

Não foi assim que tudo começara. A bem da verdade, sequer sabiam como havia começado. Ainda hoje não sabiam se havia começado, se havia mesmo acontecido. Ela, ao menos, não sabia precisar. Mas lembrava-se de, em algum momento achar que aquilo não passaria de mais uma piada noturna em que esperava-se que ela dissesse a ele, 

"Te farei supor, vaidoso, que és o maior e que me possuis".

Ao passo que ele, falsamente, prometeria-lhe, 

"Abra os braços pra me guardar, que eu todo vou me entregar: Começo, meio e fim".

E, a despeito dessas promessas, eles bem sabiam como continuaria aquele verso, com a chegada do dia:

"Já não vales nada: és página virada, descartada do meu folhetim".

Então seria esse o pacto. estava selado, juramentado. Da mesma forma que os contratos no papel que eles expadiam durante o dia, daquela forma se firmavam os acordos da noite. O deles não teria por que ser diferente.

Mas foi.

Ele não soube explicar se foi porque nela os cabelos exalavam um cheiro exótico, ou se foram as pernas, que lhe prenderam num abraço mortal da jiboia durante o sono, do qual ele não quis se libertar.

Ela não sabia dizer se foi porque adormecera com a cabeça em seu peito, falando amenidades que não lembraria no dia seguinte, ou se fora o carinho inesperado recebido enquanto dormia.

Ambos desconheciam o motivo, que era muito mais simples do que aparentava: nos braços um do outro eles adormeceram, como não faziam com ninguém desde há muito, sem a pressa de fugir de si, sem a necessidade de explicar-se, sem a obrigação de ser alguém. 

Sabiam que não poderiam continuar, que o pacto deveria ser cumprido, pelo bem da esposa dele, do marido dela, do trabalho na firma, do emprego em que ela, secretária do colega, não dirigia a palavra a ele, exceto em raras ocasiões. Sabiam que aquela noite seria única. E ela sabia que teria que dizer o que lhe ia pela cabeça ali, naquele universo que não pertencia a ninguém, antes que ele se esvaísse com o tempo.

E foi assim que, sofrendo com a inesperada dor que os alcançara, as últimas palavras dela, logo antes de saírem daquele quarto de hotel pardieiro, ficariam gravadas na memória, nas paredes sujas, nos móveis, nos lençóis encardidos:

"Esse amor me derreteu. Ajoelha-te e esquece: me chupa e agradece a quem te machuca. Agradece, meu Deus".




Um comentário:

Flavia C. disse...

Bravo, menina! Beijos!