terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Felicidades II

Recebi, de meu amigo Jonas Tenfen, o seguinte comentário acerca do meu blog: "Credo, que deprimente!"
Descontada a sutileza que lhe é peculiar, o Jonas é um amigo muito querido, inteligente e pelo qual tenho muito respeito. Até porque, existe, em mim, a certeza de que seu comentário é honesto, apesar da aparente falta de tato com que foi feito.
Entendo-o, na verdade, e explico-me aqui; Jonas, meu blog é deprimente porque na maior parte das vezes escrevo quando estou deprimida, triste, agoniada... e é isso que transparece nos textos. Prometi-lhe, entretanto, que escreveria algo feliz. Promessa feita, promessa devida. Vejamos se consigo cumpri-la.
Ah, se não for dessa vez, Jonas, tenha a certeza de que continuarei tentando: Devo, não nego, pago quando puder.

Felicidades

Encontrei, ontem, um pedacinho de papel amarrotado na calçada. Não era diferente dos demais, que encontramos diariamente, em todas as calçadas de todas as cidades. Não seria o primeiro, tampouco o último, mas por uma razão, aquela bolinha amarrotada, mal-feita até, chamara minha atenção enquanto caminhava pela rua, cabisbaixa e encolhida pelo vento frio que soprava.

Não ia pela rua por nenhum motivo especial; em verdade, passava por ali todos os dias, ou quase, a caminho de casa. Nenhum sentimento me dominava, o vento soprava gelado demais para isso. Tinha um pouco de pressa em fugir do frio, mas não tanta que não pudesse prestar atenção nas coisas que se passavam à minha volta.

Quando me deparei com a bolinha, feita de um papel amarelo, o que me atraiu foi o fato de que, apesar do vento que soprava, provocando nas folhas caídas uma espécie de balé moderno, o pequeno amontoado de celulose apenas tremia no chão, como se atraída à terra por um elástico ou ímã. Ao pensar nisso, ri-me, lembrando que fora assim que meu pai me explicara a ação da gravidade e, sem que me desse conta murmurei rindo, ah, mas essa gravidade está mais poderosa do que eu supunha! Em seguida, abaixei-me para apanhar a pequena massa amarela, olhando à minha volta à procura de uma lata de lixo. Enquanto caminhava em direção ao lixeiro abri aquele papel. Era o fim de um bilhete, como faziam supor as bordas superior e esquerda rasgadas, mas trazia apenas uma palavra legível, grafada em caneta azul, com letras bonitas, diria até que femininas: "Felicidade". Notava-se também que havia um S ao final da palavra, mas uma mancha qualquer o havia coberto.

Foi impossível não me perguntar por que motivo alguém rasgaria um bilhete de felicitações. Um amante magoado, talvez, irritado com a ironia da autora - já assumia que a pessoa que escrevera aquela palavra era uma mulher - da pergunta, ou talvez encontrava-se com raiva, por ter sido abandonado tempos depois de ter recebido aquele bilhete. Ao mesmo tempo, seguia eu pensando, não faz nenhum sentido uma mulher desejar felicidades a seu namorado; então talvez fosse um cartão de aniversário. A folha comum, fina, em que tinha sido escrito o bilhete dizia que não. Ninguém escreve "bilhetes" de aniversário, muito menos em folha sulfite.

O "mistério" que se havia instaurado, a partir daquele tolo pedaço de papel fez-me esquecer da lata de lixo, que buscava para jogar a pequena bola amarrotada. De fato, esquecera-me do frio, do vento e suas folhas dançantes. Andava, agora, vagarosamente, pensativa, alegre até. Aquele pedacinho de bilhete havia aberto em mim um novo universo. Tinha consciência da bobagem disto tudo, mas de alguma forma, me parecia triste demais a idéia de encontrar a Felicidade ali, amarrotada e jogada numa calçada qualquer e, tendo outras possibilidades, jogá-la fora, no lixeiro mais próximo.

Não, pensei comigo, não farei isso. Nesse dia, pela primeira vez na vida, levei, de fato, a Felicidade pra casa. Algumas pessoas guardam uma folha de louro na carteira, outras levam uma cruz pendurada no pescoço, outras, ainda, tem uma figa pendurada retrovisor do carro. Entre todas essas pessoas, eu duvido muito que algum dia a felicidade tenha se parado em frente, toda amarrotada, suja e abandonada. E, se ela o fez, duvido ainda mais que essas mesmas pessoas lhe tenham dado o mínimo de atenção. Digo isso com tanta certeza pois, caso o tivessem feito, não necessitariam de tantos patuás: tudo o que realmente importa já estaria sempre com elas.

4 comentários:

jean mafra em minúsculas disse...

ahahahahahahahaahah

esse comentário é a cara do jonas!!!

Don Mattos disse...

Sabe aqueles filmes que tem um personagem oriental, sereno, tranquilo, que quando todas as outras personagens estão a beira do colapso ele chega e tranquiliza a todos com uma parábola extremamente simples, mas muito profunda?

Foi mais ou menos o que ocorreu agora. Eu, o personagem a beira do colapso. Tu, a personagem oriental.

Flavia C. disse...

Sensível, sensível. Parabéns!

Mai disse...

Lindo!