quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Ballet moderno

Na primeira vez que ele a viu, sua atenção foi dominada pela forma que ela se movia: os movimentos não combinavam com a música. Ela não dançava, mas seus gestos e seu mover lembravam, remotamente, uma espécie de ballet solitário e surdo, já que ela parecia sequer ouvir o ritmo dominante, pairando em uma realidade outra, única. Torceu o nariz: aquilo não podia ser de bom tom; Definitivamente, não era de bom gosto.

Da segunda vez, a reconheceu instantaneamente por seus gestos mas, desta vez, o que antes lhe parecera grotesco lhe atraiu simpatia. Ele a cumprimentou, timidamente, mas ela estava absorta demais em algo que ele insistia em chamar de dança, e sorriu apenas.

Na terceira vez, ele voltara ao bar na esperança de conseguir vê-la. Passara a noite inteira de olho na porta, torcendo que ela chegasse, mas ela não fora. O bar parecia demasiado grande e vazio sem a presença daquela moça tão singular. Na saída, ele reconheceu aquele andar partindo de outro bar e, ao cruzar com ele, ela sorriu entusiasmada e lhe dirigiu a primeira palavra: "amanhã".

Era a quarta vez que se encontravam. Ele se sentia desarticulado e tímido. Ela lhe parecia linda e delicada, os movimentos nunca lhe pareceram tão harmoniosos, e ele sabia serem seus olhos que assim viam, sabia que ela ainda era a mesma moça desritmada da primeira noite. Ela sorriu, o tomou pela mão, lhe estendeu uma bebida: Vamos dançar? Desculpe, eu não danço... Nem eu, vamos dançar? O sorriso lhe era tão irresistível, que ele foi.

Dançaram; ele acanhado, ela confiante, uma dança lenta que em absoluto reconhecia ou admitia o rock animado que dominava o bar. Era uma música só deles. Ele entrou naquele mundo esquisito timidamente, mas o sorriso dela era irresistível. Dançaram, dançaram. partiram de lá, foram à casa dele, bailando pelas ruas. Naquela noite, ele aprendeu que podia dançar, sem ouvir a música, sem sequer mover o corpo, apenas com o calor do espírito. Dançava pelas ruas, muros, telhados, dançava nos ônibus lotados, sem temer os olhares alheios, pois tinha em si o mais desejado dos olhares: o da (agora - e para sempre dali em diante) sua bailarina de sonho.

2 comentários:

Flavia C. disse...

Uma única coisa a dizer: seu blog está ficando irresistível! Escrever sempre é a melhor forma de escrever cada vez melhor. Beijoca!

Lamaringoni disse...

Obrigada, querida!
Isso me emociona e me empolga a continuar escrevendo!
Seu blog é uma delícia também, aliás, ando com saudades dele...
Um beijinho pra ti!