terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Felicidades III

Ela gostava das mesmas coisas. Não era fã de novidades e mudanças, exceto aquelas causadas por ela mesma. Isso se aplicava a tudo, inclusive às metáforas: era uma garota de uma metáfora só. Não era bem verdade, ela tinha algumas metáforas de que gostava, mas sua poligamia metafórica girava sempre em torno das mesmas expressões. Isso acontecia, em verdade, pois ela pensava que aquelas expressões funcionavam tão bem, que não havia razões para buscar outras. Não que não gostasse de poemas e dos jogos da linguagem, apenas sentia que havia encontrado as suas expressões, aquelas que cabiam a ela.

De tudo que havia, seu casamento mais duradouro era com o frio. Achava lindos os dias ensolarados de inverno, e o outono propiciava as cores mais bonitas do ano. Mas não gostava dos dias de chuva. Esses, ela escondia num canto esquecido da memória, torcendo para que a poeira e o tempo os deformassem, e a fizessem esquecer de sua existência. Talvez por isso sua metáfora favorita fosse aquela que explicava a felicidade como um raio de sol que te aquece no frio.

Era velha, a pobre metáfora. Pequenina, franzina, e nem era muito original. Mas era, de tudo que ouvira, o que mais havia de verdadeiro em sua vida. E era assim pois ela sentia na pele: Quando pensava nos anos de colegial, lhe vinham à mente os recreios passados ao sol, fazendo piquenique com as amigas. É que elas inventavam de cozinhar guloseimas em casa, e traziam para as outras provarem. Escola pequena, meio alternativa, tinha dessas coisas. Essas lembranças lhe aqueciam o coração, da mesma forma que o sol daqueles dias frios lhes aqueciam os corpos. Então, desde há muito, habituara-se a pensar na felicidade como algo que lhe aquecia, mesmo quando os dias eram frios.

Os anos passaram, ficaram com ela as lembranças e as metáforas. Agora, longe de todos, ela olhava pra trás e buscava, não sem muita dose de medo, encontrar motivos para sorrir. E os motivos lhe vinham, de muito longe, como um recado amado, um carinho inesperado, um teamo não requisitado. Eles lhe surgiam como a certeza de que o sol voltaria a brilhar, apesar de toda a chuva. Ela sabia que ele, seu sol, voltaria. Sabia que mesmo as 'lestadas' mais fortes não duram para sempre. Precisava apenas de um abraço, de um raio de sol, para que pudesse recompor os cabelos, tirar o mofo dos sapatos, pendurar as roupas no varal. Os dias de sol voltariam, e eram os abraços da voz amada que lhe asseguravam isso.

Ela sorria, confiante, a caminhava de volta para a rua, a sentar-se sob o sol, com suas velhas e costumeiras metáforas.

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