segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Invertendo valores...

Nunca pensei que minhas aulas de literatura portuguesa V fossem ser extremamente úteis na minha vida. Em verdade que não são, mas de certa forma, foi a pseudo-leitura dos textos da disciplina que me embasaram na escrita desse texto de hoje.

Confesso: nunca pensei em mim como uma pessoa exótica. Afinal, uma mulher branca, jovem, urbana, com curso superior é exatamente igual à todas as outras mulheres jovens, brancas, urbanas e com curso superior. Igual no que tange à representação de classe, sim, mas sempre me considerei mais uma em meio à multidão. Nem muito feia, nem muito bonita. Mais pra muito magra do que pra gostosa. Nem loira, nem mulata: absolutamente padrão. Convenhamos, me encontro naquela faixa humana entre a Gisele Bundchen e o Tiririca, que passa a vida sem ser "descoberta" e sem ser escancaradamente feia. E esse nicho de normalidade sempre tendeu pra mandar a auto estima lá pro pólo sul. Mas eu sobrevivia.

Daí que um dia pirei o cabeção e me mandei, de mala e cuia, pra califórnia. Chegar aqui foi muito esquisito, no sentido sócio/cultural e étnico da coisa. Pra começar, todos os meus padrões e parâmetros foram jogados no lixo. Não, eu não sou branca. Branco, aqui, só quem se chama Smith, tem olhos azuis, cabelos loiros (naturais ou à base de H2O2) e uma ascendência anglo-saxônica (ou nórdica - não dá pra negar que aqueles galegos lá da suécia e da noruega são brancos). Sim, meus caros, nosso chamado homem branco, o português malvado que matou os índios brasileiros e escravizou os africanos, esse não é considerado branco. Na melhor das hipóteses, ele é considerado europeu, e daí é um pseudo-branco.


Também não sou considerada latina, já que ser latino significa ter cara de índio, 1,50m de altura, falar espanhol e me chamar Maria, Carmen ou Lucía. Do alto dos meus 1,70m, dessa pele morena que deus não me deu e com cabelo claro, falando um portunhol de meia-tigela, sou veementemente rejeitada pela classe "latina", restando recolher-me à insignificância do rótulo de "brasileira".

E é aí que eu chego ao ponto que iniciou essa conversa toda, aquela coisa das aulas de literatura portuguesa e tal. Nessa disciplina estudávamos a relação metrópole (portugal) colônias (africanas) e o estranhamento envolvido nela, perceptível na literatura. Era um estranhamento que habituou-se chamar de mesmo-outro, em que o papel de "mesmo" é desempenhado pelo escritor, notavelmente um colono (e, portanto, branco) e o papel de outro é desempenhado pelo mundo que ele observa, notavelmente os colonizados (e, portanto, negros). Sei que a explicação é bastante falha, mas isso é um blog, se quiser mais detalhes, vai ali no sábio da montanha e digita "relações coloniais na literatura portuguesa". Aparece um monte de coisas, entre elas o texto de Francisco Noa, que me pareceu bem pertinente.

E, desde que cheguei aqui, o que sinto, todos os dias, é que desempenho o papel de "outro". Tão acostumada que eu estava, no meu posto de "mesmo", aquele de mulher jovem, branca, urbana e universitária - papel típico do terrível colonizador, me faltando apenas um pênis para ocupar o papel com propriedade, nesse mundo falocêntrico - foi uma reviravolta. De uma hora pra outra fui jogada no extremo oposto: mulher, mestiça (afinal, todos os brasileiros são, né? Eu então, praticamente uma globeleza), de um país tropical, "em desenvolvimento", com uma língua estranha: o estágio mais completo de o que eles chamam de minoria. E junto com "minoria" vem a palavra "diferente" e daí pra "exótica" é um pulo.

E é "exótico" pra tudo: sotaque exótico, feições exóticas, estilo exótico, país exótico... Ai, confesso, tem hora que cansa. Pior mesmo é a quantidade de vezes que já me pediram pra dançar samba - logo eu, com essa ginga e brasilidade nata - e a quantidade de vezes que tive que explicar que A) "Nem toda brasileira é bunda" B) prostituição não é crime no brasil, se você tiver mais que 18 anos, mas cafetinagem é. C) isso não significa que toda brasileira seja puta. D) o "cara de braços abertos" é o cristo redentor, E) não, ele fica no Rio, não em São Paulo. F) São Paulo é maior que Nova Iorque - nem sei se é de fato, mas quando digo isso eles entendem que temos cidades muito grandes. Já ganhei até elogio porque sabia dirigir do lado certo da rua (sim, a pessoa pensou que o resto do mundo dirigia com a mão inglesa). Minha conclusão? Mesmo aqueles com as melhores intenções pecam pela ignorância. Os estadunidenses (eles ficam surpresos quando eu me recuso a chamar ao país de América e a eles de americanos), em sua maioria, não sabem nada do resto do mundo.

Essa ignorância do "mesmo" em relação ao "outro" colocou minha "sabedoria" em cheque: o quanto eu, como "mesmo" conheço do "outro"? Percebi que meu conhecimento em relação ao mundo se resume à américa portuguesa (como vocês sabem, é só o brasil), américa inglesa (entenda-se EUA) e europa ocidental. Sei vagamente da américa espanhola, porra nenhuma do canadá (exceto que tem duas línguas e muita neve, e os estadunidenses não gostam deles), levemente da áfrica e ásia, um tisco do leste europeu e nada da oceania. Caramba! Isso, pra quem é fã de curiosidades inúteis como eu, foi doloroso! Pra remediar essa situação, essa noite passei algumas horas (com auxílio do google earth, google sky e a wikipédia - que, juntos, formam praticamente o guia do mochileiro das galáxias) estudando o mundo,  a vida, o universo e tudo mais... Pensava comigo: Ainda é tempo, Flipper: até breve, e obrigado pelos peixes!

3 comentários:

Senhor B disse...

Pois é... entendo perfeitamente. Pode parecer mentira, mas eu fui me sentir branco quando fui ao Nordeste, e me senti algo parecido ao teu exótico quando morei no Uruguai. Não se trata, bem colocaste, só de cor, mas de muito mais que isso.É, Newton, é a relatividade.

jean mafra em minúsculas disse...

adorei o texto, nega. eu me sinto assim todo dia. eu não sou daqui também.



(ah, mais eu tenho um pênis, claro. não que isso seja um oferecimento, né?!?)


beijo me liga.
mafra

Flavia C. disse...

Ih, essas sensações são minhas velhas conhecidas! E é curioso como elas te surpreendem, não? Fazem com que questionemos nossa própria imagem...
Beijo!